É muito comum os termos agroecologia e agricultura orgânica serem usados como sinônimos. Embora ambos apoiem o desenvolvimento de ecossistemas agrícolas diversos, resilientes e produtivos e se esforcem para reduzir o uso de insumos químicos sintéticos, a agroecologia vai além da simples substituição de insumos químicos, propondo uma reestruturação do sistema agrícola em suas bases produtivas e sociais.
Primeiro, o que é agricultura orgânica?
Em setembro de 2005, em Adelaide, Austrália, a Assembleia Geral da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM) aprovou uma moção para estabelecer uma definição de agricultura orgânica. Entretanto, essa definição só veio a ser apresentada três anos depois, na Assembleia Geral que aconteceu em Vignola, Itália.
Agricultura orgânica é um sistema de produção que sustenta a saúde dos solos, ecossistemas e pessoas. Ela depende de processos ecológicos, biodiversidade e ciclos adaptados às condições locais, em vez do uso de insumos com efeitos adversos. A agricultura orgânica combina tradição, inovação e ciência para beneficiar o ambiente compartilhado e promover relações justas e qualidade de vida para todos os envolvidos.
Assembleia Geral da IFOAM de 2008
A demora foi um reflexo da necessidade de alinhar as diferentes visões sobre a prática da agricultura orgânica ao redor do mundo, buscando um consenso global que equilibrasse os interesses locais e as exigências ambientais, sem perder de vista os avanços científicos e as necessidades do mercado.
A partir dessa definição, identificou-se quatro princípios éticos da agricultura orgânica: saúde, ecologia, justiça e cuidado. Mas como garantir isso?
Regulação, mas não uniforme.
A produção agrícola orgânica hoje é regulamentada por normas definidas por região. Na Europa, por exemplo, o regulamento da UE sobre a produção orgânica e a rotulagem de produtos orgânicos estabelece requerimentos mínimos que definem quais produtos podem ser certificados e comercializados como orgânicos. Ainda assim, associações de produtores individuais podem desenvolver seus próprios padrões, desde que sejam mais rígidos do que os da UE.
No Brasil, o principal marco legal é a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que estabelece as diretrizes para a produção orgânica no país. Essa lei define o que pode ser considerado como produto orgânico e estabelece critérios para certificação e comercialização.
Atualmente, o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SISORG) regulamenta a certificação e a rotulagem dos produtos orgânicos comercializados no país. Esses produtos recebem um selo oficial, o que garante ao consumidor que o produto segue os padrões exigidos pela legislação nacional. Mas esse sistema não leva em consideração indicadores sociais de sustentabilidade, como condições de trabalho, industrialização, acesso à renda e investimentos, etc.
Notamos então que a agricultura orgânica é mais focada em um conjunto de normas e certificações que regulam a produção, rotulagem e comercialização de produtos sem insumos químicos sintéticos. Poucos padrões, como o Naturland Fair, uma certificação voluntária e opcional, inclui critérios sociais.
Agroecologia: transformação sustentável
Primeiramente, é necessário ponderar o fato de que a agroecologia surgiu na década de 1920 como uma ciência voltada para estudos de metodologias ecológicas dentro da agronomia. No entanto, a partir da década de 1980, o conceito também assumiu dimensões político-sociais e passou a abranger discussões sobre as características sociais e econômicas da agricultura, como o direito à terra e à soberania alimentar.
E ainda hoje, entretanto, não há uma definição universalmente aceita para ela. No Brasil, um exemplo é a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), instituída pelo Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012. Neste decreto podemos destacar duas definições importantes, presentes no Art. 2°:
Inciso III - produção de base agroecológica - aquela que busca otimizar a integração entre capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos naturais, equilíbrio ecológico, eficiência econômica e justiça social, abrangida ou não pelos mecanismos de controle de que trata a Lei nº 10.831, de 2003 , e sua regulamentação;
Inciso IV - transição agroecológica - processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas, tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica.
A transição agroecológica acontece por meio da adoção de práticas de produção que otimizam recursos e abordagens de gestão baseadas em ciclos fechados de produção - nos quais insumos e nutrientes são reciclados dentro do próprio sistema agrícola - reduzindo a dependência de recursos externos. Além disso, a agroecologia também busca a diversidade funcional e genética, além da diversificação de renda e oportunidades de agregação de valor. E para isso, mudanças sociais são centrais.
E o ativismo social está profundamente relacionado com a agroecologia. Ela propõe um questionamento do atual modelo agroindustrial, buscando um desenvolvimento rural que leve em conta as necessidades das populações locais, e que, acima de tudo, respeite os direitos e anseios dos trabalhadores rurais. Os movimentos agroecológicos tamb ém lutam pela soberania alimentar, defendendo o direito das comunidades de decidir sobre suas próprias práticas agrícolas e sobre o que consomem.
Ou seja, não se trata apenas de substituir insumos químicos por orgânicos, mas de reestruturar todo o sistema produtivo e comercial. Isso inclui práticas como o manejo sustentável da biodiversidade, o fortalecimento das redes comunitárias e a promoção de circuitos curtos de comercialização - como as feiras de produtores, que aproximam o produtor do consumidor.
Embora compartilhem objetivos como a sustentabilidade e a redução de impactos ambientais, a agroecologia, ao englobar uma visão mais ampla, busca não apenas uma agricultura sem agrotóxicos, mas um sistema alimentar que seja justo e que valorize a autonomia financeira e o bem-estar das pessoas e do meio ambiente.