— quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Entre raízes e galhos, o despertar do biólogo para a botânica

Como as plantas, muitas vezes invisíveis ao nosso olhar cotidiano, moldam o mundo ao nosso redor e se entrelaçam com nossa própria existência.

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Durante a jornada de um aluno de licenciatura em biologia, ocorrem muitas mudanças de perspectiva à medida que os conteúdos se aprofundam além do que é ensinado. Lembro de quando entrei na faculdade e via a Botânica como apenas uma área técnica, distante das minhas próprias experiências. 

Como muitos colegas, eu achava que o reino vegetal não passava de um pano de fundo para os animais, que, na nossa visão, estavam muito mais presentes e relevantes no ecossistema e no dia a dia. Mas tudo mudou quando comecei a entender que as plantas são os verdadeiros pilares que sustentam os processos naturais que damos por garantidos.

O desconhecimento e o desafio

É muito comum que diversos aspectos do cotidiano sejam tomados como garantidos, fazendo com que se esqueça todo o contexto por trás deles antes de chegarem até nós. Essa é a situação em que eu e muitos estudantes de biologia nos encontrávamos no início do curso, sem uma conexão significativa com a botânica nos primeiros anos.

Uma floresta é percebida como um simples “mato igual”, ignorando os ricos detalhes das relações que as plantas estabelecem. Outro exemplo é como enxergamos os alimentos. Não paramos para pensar no processo envolvido na produção de uma maçã ou no cultivo do arroz que acompanha nosso prato. 

É curioso que meu interesse por plantas não tenha surgido antes de iniciar a graduação em biologia. Desde a escola, sempre me interessei por biologia e estudava com atenção e ânimo cada tema. Mesmo assim, a grande importância da botânica me passou despercebida, parecendo algo distante da minha realidade. 

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Em um tema como anatomia humana, é fácil olhar para si e relacionar o conteúdo estudado à própria experiência. Quando nos deparamos com uma planta, muitas vezes só conseguimos enxergar o que está na superfície: folhas, flores e frutos — sem considerar o sistema complexo que sustenta essa planta, as suas necessidades, adaptações e relações com o meio. Enxergamos as plantas, não como seres vivos, mas como decorações de paisagem.  

Para nós, estudantes de biologia, esse é um dos primeiros desafios: entender que a botânica vai muito além do que está visível à primeira vista. Fora da escola, eu não tinha contato frequente com plantas e, nas aulas, nunca participei de atividades práticas ou de exercícios que me levassem a criar hipóteses — formas de interação que, além de estimulantes, aproximam o conteúdo da realidade e despertam interesse.

Restava, então, uma abordagem estritamente conteudista da botânica, que deixa pouco espaço para a admiração.  

As plantas são vistas como parte de uma lista de conteúdos a serem decorados, sem conexão com o que está acontecendo ao nosso redor. Assim, tanto para um aluno do ensino básico quanto para um estudante universitário, a distância entre o conteúdo e a realidade se torna um desafio a ser superado para que a importância da botânica seja verdadeiramente reconhecida. 

Uma nova conexão e visão da botânica

Foi quando comecei a ter uma experiência mais aplicada da botânica, através das disciplinas do curso e participando do laboratório de botânica aplicada à agroecologia, que minha percepção começou a mudar. A partir das saídas de campo, das observações em lupa, das experiências de laboratório, passei a ver as plantas como fios invisíveis que conectam todos os seres vivos.

Agora, aquela mata não é mais uma grande massa homogênea, verde, mas sim uma diversidade de ambientes com gradientes de intensidades luminosas, diferentes alturas de fontes de alimentos, declives de temperaturas, abrigos e caminhos. Essa diversidade de condições é o que permite que espécies animais — e também vegetais! — coexistam, explorando os diferentes nichos ecológicos oferecidos pelas plantas.

Passei a perceber que cada folha carrega uma história evolutiva e uma função ecológica naquele bioma. As interações entre plantas e outros organismos passam a existir, e não só como conceitos abstratos, mas como fenômenos observáveis, cheios de complexidade. 

Plantas estão vivas!

O que mais me encanta ao estudar botânica é perceber que as plantas não estavam ali simplesmente sobrevivendo. Elas possuem milhares de mecanismos de comunicação, interação e, principalmente, regulação. Numa floresta, por exemplo, as árvores não estão ali só por estarem ali. Elas constroem redes. Se ajudam, se protegem, controlam o ambiente em torno delas. Até mesmo as plantinhas pequenas, que a gente esquece de que existem, têm papéis fundamentais. 

E tem uma coisa mais interessante ainda: as plantas fazem parte do nosso cotidiano, mas de maneira tão direta que não costumamos refletir sobre isso. Claro, tem as mais óbvias, como nossas comidas, mas elas estão em objetos, medicamentos, em processos de fabricação, até mesmo no oxigênio que a gente respira. Ao olharmos mais de perto para o reino vegetal, percebemos o quanto dependemos dele de maneiras que nem imaginávamos.

A botânica não é só um estudo de como as plantas crescem, mas sobre como elas fazem o mundo girar. Estudar botânica, ao contrário do que muitos pensam, não é apenas para entender como uma flor se desenvolve. É sobre como o mundo natural se organiza e, de certa forma, organiza a nossa própria vida.